I♥Music

Sou livre, sou fã de Ana Carolina.




- Baixa o volume dessa música! Quer me deixar doida?

- Tá, mãe, já vou colocar o fone de ouvido.

 Sem perceber, acabo cantando alto demais e minha mãe abre a porta e mais uma vez baixa a lei:

 - Para de cantar! Não aguento mais ouvir essa mulher toda noite. Como pode uma pessoa gostar tanto assim dessa mulher? Já estou ficando com raiva dela. Para de cantar e baixa isso ou eu desligo tudo.

                “Ah, mãe, não pode sair desligando tudo assim só porque eu estou cantando, deixa eu em divertir. E se desligar, eu escuto no celular, isso não iria me impedir de ouvi-la.” Fico com os comentários só no pensamento. Vai que ela desliga tudo mesmo.

É, mãe, você não entende o que é ser fã. Você briga comigo por fazer de tudo pra ir a um show, por tirar dinheiro de onde não tem pra comprar um cd, por amar uma pessoa que eu sei que nem sabe que eu existo, por brigar com todos que falam mal dela, por ser o meu único assunto, por dedicar boa parte do meu tempo a ela, por te irritar de tanto que a escuto. E me mataria se soubesse que sou associada de um fã-clube. Me odeia por ficar em casa só porque ela vai passar na tv.

É, mãe, ser fã é uma coisa estranha mesmo. Mas, sabe, mãe, amor de fã é o mais verdadeiro que existe. A gente faz tudo por uma pessoa que nem nos conhece. Ensaiamos discursos para o dia que encontramos com ela, mesmo que na hora não saia nada e ficamos com aquela carinha de criança que ganha o presente que sempre quis na vida.

Sabemos mais da vida dela do que da matéria que vai cair na próxima prova. E a divulgamos com tanto orgulho, amor e carinho que quem não é fã não entende. A gente se sente tocado por uma obra de arte e passa a amar o criador dessa arte que nos tocou profundamente. Fazemos de tudo pra chegar perto, pra abraçar, pra divulgar, pra ter uma foto, um autógrafo... E esquecemos que temos uma vida pra levar adiante, uma matéria complicada pra estudar, a louça do almoço pra lavar, mas estamos no show pedindo a Deus que esse dia não acabe, que o ídolo nos olhe nos olhos e quando o olhar vem seguido de um tchauzinho ai vamos a loucura. Seria aquele o melhor momento da noite e o que nunca vamos esquecer. Gritamos para quem está do lado: ‘Ela olhou pra mim e ainda acenou. ELA ME DEU TCHAU!’. Gritamos, cantamos, pulamos, suamos e o melhor de tudo é que essa é a melhor diversão que temos.

A noite acaba, infelizmente, mãe. Então, voltamos pra casa. A vontade de contar pra todos tudo que aconteceu é enorme, a euforia dura dias, semanas, às vezes meses. E isso é tão bom, nos faz tão bem.

Mas sabe, mãe, não foi só música que Ana Carolina me deu. Foi mais, muito mais. Ela me ensinou que respeitar a si é o primeiro passo pra que te respeitem, que eu não preciso mentir pros outros só pra me promover, que trabalhar duro é o caminho pro sucesso, que se eu quero alguma coisa é preciso correr atrás, deixar o comodismo de lado e lutar. Que sonhos viram realidade, que a vida pode ser muito boa se eu resolver tentar.

 Talvez você não entenda porque estou falando isso, mas é que ela também tem uma historia de vida antes de ser cantora. Ela teve coragem de largar tudo pra conseguir realizar um sonho. Ela é um exemplo pra mim. Assim como você que me ensinou a ser independente, não depender de você pra tudo, que me ensinou a ser livre, que me sempre me apoiou em cada decisão, mesmo não gostando tanto. É, mãe, se soubesse que ser fã era tão bom, teria começado antes. Teria me ligado ao mundo da música bem antes dos meus 16 anos quando uma amiga me disse pra ouvir “Quem de nós dois”. Foi amor à primeira ‘ouvida’, com a permissão da gramática de inventar novas palavras.

É, mãe, ser fã dá trabalho. É a disposição de sair de casa 3 horas antes do show pra garantir um bom lugar. É ficar espremido na grade mais 3 horas esperando ela chegar. É correr para a loja mais perto pra comprar o novo cd. É arrumar emprego temporário em casa pra pagar todas essas despesas. É a senhora que dizia que eu só queria folga, né?

É, mãe, eu sei que todo o dinheiro que gasto nos cd’s, dvd’s e ingressos vão para ela e que uma hora o show acaba, os cd’s e dvd’s podem se perdem, mas eu gosto, sabe? É como se ela me prestasse um serviço.

Ser fã é saber que você não está sozinho no mundo dos sentimentos. É saber que alguém que mora bem longe, tem uma vida totalmente diferente da sua e sente as mesmas coisas que você e tem talento suficiente pra fazer das angústias, tristezas, alegrias, raivas, revoltas uma música, que vai te confortar, animar, fazer muitas pessoas sonharem, ser a trilha sonora de muitos casais. A música rege o mundo, mãe. Uma vida sem música é uma vida sem graça. Eu sei que você até gosta de ouvir aquelas mais calminhas e românticas, eu sei. Te conheço bem pra afirmar isso.

                Por isso, mãe, não fique furiosa quando eu brigar com todo mundo pra ir a um show, mesmo com o pé inchado, ou gastar todo o meu dinheiro em cd’s e dvd’s. Eu amo você por ter me deixado livre pra poder ser fã de alguém que me conforta e me faz feliz. E muito menos fique com raiva quando eu acordar 9h de um sábado e colocar pra tocar ‘Eu comi a Madona’, ‘Cantinho’, ‘Eu nunca te amei idiota’ para o bairro inteiro ouvir, só estou espalhando cultura para as pessoas. MPB é cultura. rs’

                - Ah, tá vindo CD e DVD novo por ai. Tem algo que eu possa fazer pra ganhar dinheiro e comprá-los?

                - Não pode ser pirata?

                - Não, mãe. Pirataria é crime e não aparece nas estatísticas de quantos cd’s ela já vendeu.

                - Ai, era só o que me faltava.

                - Te amo, mãe. :D